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quinta-feira, 7 de agosto de 2003



Lembro-me ainda de que naquele momento tive quase a certeza de que o meu pai já tinha andado por aquela praça algum dia, fazia dois mil anos; quer dizer, isso se fosse verdade que uma pessoa possui muitas vidas. É que ele me contava sobre a vida na antiga Atenas como se "lembrasse" como tudo tinha sido naqueles tempos. E minha desconfiança de que ele talvez já tivesse andado por ali se fortaleceu ainda mais quando, de repente, ele parou num determinado ponto, olhou para todas aquelas ruínas e disse:

- Na praia, uma criança contrói um castelo de areia. Por um momento, contempla admirada a sua obra. Depois destrói tudo e constrói um outro castelo. Da mesma forma, o tempo permite que o globo terrestre realize seus experimentos. Aqui nesta praça se escreveu a história do mundo; aqui os acontecimentos foram gravados na memória das pessoas, e depois novamente apagados. Na Terra, a vida pulsa de forma desordenada, até que um belo dia nós somos modelados... com o mesmo e frágil material de nossos antepassados. O sopro do tempo nos perpassa, nos carrega e se incorpora a nós. Depois se desprende de nós e nos deixa cair. Somos arrebatados como num passe de mágica e depois novamente abandonados. Sempre há alguma coisa fermentando, à espera de tomar nosso lugar. Isso porque não temos um solo firme sob os nossos pés. Não temos sequer areia sob nossos pés. Nós somos areia.

[...]

Então, perguntei:

- Você acredita que haja alguma coisa que não possa ser levada como a areia do castelo que a água do mar destrói?

Acho que minha pergunta o tirou de uma espécie de transe, pois só nesse momento ele parecia realmente falar comigo. E só comigo.

- Aqui - disse ele, e apontou para sua cabeça. - Aqui dentro tem alguma coisa que não pode ser levada.

Por um momento fiquei com medo de que ele tivesse perdido completamente a razão. Mas ele não estava se referindo apenas à sua própria cabeça.

- O pensamento não pode ser levado, Hans-Thomas. De minha parte, só declamei a primeira estrofe, entende? O filósofos em Atenas achavam que também há uma coisa que não passa. Platão chamava isso de o mundo das idéias. Pois não é o castelo de areia a coisa mais importante na brincadeira da criança. O mais importante é a imagem de um castelo de areia que a criança tem na cabeça antes de começar a construir o castelo. Por que outra razão você acha que ela destrói com as mãos o castelo que acabou de construir?

Tive de admitir que entendia a segunda estrofe melhor do que a primeira. Mas então meu pai disse:

- ... Trazemos dentro de nós a noção de que tudo o que vemos à nossa volta poderia ser melhor do que é. E sabe porque fazemos isso, Hans-Thomas?

Limitei-me a negar com a cabeça. Meu pai estava tão entusiasmado que apenas sussurrou:

- Porque trazemos em nós todas as imagens do mundo das idéias. É lá nossa verdadeira morada, entende? E não aqui embaixo, no meio da areia, onde o tempo apanha e devora tudo o que amamos.

- Quer dizer que existe um outro mundo?

Num tom de mistério, meu pai concordou com a cabeça.

- É lá que estava a nossa alma antes de vir habitar um corpo. E é pra lá que ela vai voltar quando o corpo sucumbir à ira do tempo.

- É mesmo?

- Pelo menos era o que achava Platão, um dos maiores filósofos gregos. Nossos corpos têm o mesmo destino dos castelos de areia. Quanto a isso não há o que fazer. Mas temos uma coisa em nós que o tempo não consegue corroer. E não consegue porque ela não pertence a este mundo. Precisamos voltar nossos olhos para além e para cima do que vemos à nossa volta. Precisamos enxergar aquilo de que tudo à nossa volta é apenas uma imitação.
(Jostein Gaarder - O Dia do Curinga)

Lu poesiou às 00:45

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